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Minha pequena Jerusalém

  • Foto do escritor: pandradegomes
    pandradegomes
  • 11 de jun. de 2023
  • 6 min de leitura

Tínhamos recém chegado de Israel e logo o Ludwig teve que ir trabalhar e me chamou para ir com ele. Fomos para Búzios. Eu pedi a ele para passar pela casa do meu primo Henrique que mora em Iguaba Pequena. Esse lugar é muito importante para mim. Passamos inúmeros momentos lá, em família, eu, meus pais, meus primos, tios e meus avós. Sempre chamamos esse lugar de Iguabinha, uma palavra no diminutivo, mas imensamente marcante na minha vida.


Sei que Deus me levou lá com um propósito naquele dia. Coisas pequenas do dia a dia, coisas simples como almoçar junto com a família, fazer compras em um supermercado pequeno, andar de chinelo no chão de terra, tudo isso era uma delícia.


Nessa época, Iguabinha era um lugar de chão de terra, com muito mato, muitas árvores, muita natureza. Era tão bom ver todos aqueles insetos ao redor das lâmpadas em cima das nossas cabeças, enquanto a gente jogava cartas. De vez em quando, uns caíam na toalha de plástico da mesa. A parede da varanda era branca e enrugadinha e tinham algumas lagartixas toda noite, elas ficavam ali paradonas esperando um inseto desatento pousar. Sempre tinha também pelo menos uma mariposa que pousava nessa mesma parede. Minha avó preparava um licor de figo da figueira que tinha lá no quintal, era uma delícia.


Eu, meu irmão e meus primos, Carolina, Daniela e Kiko, sempre jogávamos WAR. Eu não sei que mistério havia, eu sei que não era roubo, o Kiko ganhava sempre. O exército dele era sempre o preto e por mais que a gente se esforçasse, lutasse, jogasse horas seguidas, ninguém ganhava dele. Às vezes, nós dávamos uma pausa para a hora do banho, hora de lanchar ou a gente ia dar uma volta em algum lugar e o tabuleiro ficava armado com tudo no seu devido lugar para quando a gente voltasse. A gente se divertia muito, até soprávamos os dados do jogo para dar sorte, mas nada, o Kiko era sempre o vencedor.


E o ritual de montagem da piscina de plástico. Minha avó comprou uma piscina daquelas retangulares de plástico com ferros, a gente ficava ali, tomava banho de mangueira, uma delícia.


Naquela época, nenhum de nós tinha celular, esse negócio de celular que nem é hoje, não existia naquele tempo. Quando a gente viajava sem um dos pais, por exemplo, era clássico, a gente já ligava lá embaixo mesmo no orelhão, é isso mesmo, era orelhão, um era em frente à padaria e o outro em frente à pequenina delegacia de polícia.


Algum tempo depois, isso progrediu, a gente fazia as ligações em uma lojinha que montaram com aqueles telefones que você pagava por minuto de ligação. Eram umas cabines. Você ligava e pagava ali na hora.


E a hora de ver televisão, isso é inesquecível. Para a TV funcionar, sempre um dos homens da casa subia no telhado e a gente ficava lá da sala gritando se tinha melhorado ou não, conforme o voluntário mexia na antena.


Nesses tempos, também não tinha coleta de lixo de uma maneira muito organizada. Então como funcionava? O lixo era colocado nos sacos plásticos e deixado no terreno baldio em frente à nossa casa. Certa vez, minha avó teve a feliz ideia de pôr fogo no lixo. Deu um vento e aquilo começou a alastrar e ela tentando apagar o fogo e todo mundo saiu de casa gritando sem saber o que ia fazer, já com medo de provocar um desmatamento em Iguabinha. Mas acabou dando tudo certo.


Tinha também toda a tarde um monte de vacas que passavam pela nossa porta e a minha avó ficava sentada ali falando “Mu!” com as vacas, quando elas passavam. Aquilo era uma diversão enorme para a gente. Tudo em Iguabinha era motivo de riso e alegria.


Uma vez, uma das meninas que tinha um cabelo enorme ficou com ele preso naqueles ventiladores de chão e a gente ao invés de ajudar ficava rindo sem parar. Até que alguém teve a ideia de parar de rir e desligar o ventilador.


Era uma quantidade enorme de gente que passava as férias lá e tinha gente dormindo no quarto de casal, no quarto de solteiro, na suíte que ficava do lado de fora da casa, no chão da sala em vários colchonetes, na varanda e até na cozinha, que era onde ficava o irmão do meu avô, que já tinha o lugar dele garantido, ele usava uma cama que dobrava ao meio e era muito fácil de carregar e fazer o ninho dele lá. Só não dormia gente em pé e no banheiro, mas por toda a casa tinha gente espalhada dormindo.


E lá sempre teve muito mosquito. Era clássico colocar aquele aparelho que espanta os mosquitos na tomada e um outro que tinha ainda mais a cara de Iguabinha, ele era uma espiral verde que acendíamos com o fósforo e aquilo ia queimando durante a noite para espantar os mosquitos. Eles faziam zumbidos em volta dos nossos ouvidos. Eram muitos mesmo.


Eu sempre gostei muito de tirar fotos e eram aquelas máquinas que você precisava levar o rolo na loja para revelar. Gerava aquela ansiedade boa de acabar as férias, voltar para o Rio e ver como tinham ficado. Depois a gente via as fotos juntos, ria, lembrava das coisas, era maravilhoso.


A sensação que dava a cada dia de manhã quando eu abria os olhos e percebia que ainda estava em Iguabinha era indescritível. Acordar e olhar pela janela, ver as plantas se mexendo lá fora e pensar: Que bom, mais um dia em Iguabinha!


Lá em Iguabinha a gente ia à praia sempre, só que lá não tem onda, então a gente dizia que ia para a lagoa. Pois é, com o passar de tanto tempo, a gente ia cada vez mais avançando mais pedaços de areia, cada vez conhecendo mais um pedacinho da praia, até um dia em que conhecemos o lugar que a gente chamava de ilha. Era uma ilha mesmo, pequena demais, mas era uma ilha, um pedaço de terra cercada de água por todos os lados. O que a gente fazia era uma curtição, um desafio. Íamos a pé por dentro da água, da areia até a tal ilha, ficar lá um pouquinho e voltar. Teve um dia que a gente encheu um daqueles recipientes de isopor com refrigerante e levamos aquilo boiando até a ilha. Foi como um "National Geographic".


No quintal houve a época das carambolas, a época que tinha cana de açúcar, já teve amora e um coqueiro.


Lá em Iguabinha não tinha muita água disponível para gastar. Era preciso comprar a tal da pipa de água. Então uns gênios da família inventaram o seguinte: quando chovia, e lá chovia em bastante quantidade, o pessoal inventava uma engenharia de puxar a calha que passava em volta do telhado e direcionava para dentro da cisterna que ficava no chão da varanda. Então, era um problema resolvido. Tudo para economizar.


A vida em Iguabinha era isso: comer a deliciosa comida da Bibi e da vovó, muito cachorro quente, pipoca, gelatina, ir para a lagoa, subir até a torre, jogar WAR, se balançar o mais alto possível na rede...


O lugar era tão pequeno, só tinha a padaria, a loja de sorvete, o supermercado, o campinho de futebol, uma choupana que era um lugar de palha que vendia lanches e um posto de gasolina.


Meu avô Henrique sempre foi o personagem principal desse lugar. Ele tinha a poltrona dele do lado de fora da porta, lá na varanda, onde ele escutava o radinho dele e fumava o famoso cachimbo. Meu avô era daqueles que não perturbava a vida de ninguém. Super light, super calmo. Ele me ensinou a jogar buraco quando eu tinha uns dez anos de idade e eu sempre joguei com os adultos. Era a grande atividade de Iguabinha, o jogo de buraco e o de sueca. Meu avô, minha avó, meu pai, minha tia e meu tio. Às vezes, os netos e netas também.


O meu avô havia perdido muito da visão, tinha feito uma cirurgia de ponte de safena e as coisas se complicaram. Então, com essa perda da visão, ele não fazia muitas coisas mais, ficava ali na poltrona dele com o cachimbo e o rádio.


Minha avó era o oposto, sempre muito ativa, carregava pesos enormes de compras, subia e descia aquelas ladeiras com sacos de batatas, fazia as deliciosas comidas de avós. Lá era cheio de ruas de ladeiras super compridas, a gente precisava descer para comprar água para beber. Era um sol escaldante. A gente parava de tempos em tempos para descansar, pegar um fôlego e continuar.


Lá em Iguabinha tinha aquela plantinha chamada dormideira, que você toca nas folhas e elas se fecham. Ficavam em volta da entrada da casa. Tinha também uma oliveira, que tinha sido trazida de Portugal e foi dada de presente para a minha avó.


Hoje em dia, meu primo Kiko tem uma filha chamada Letícia, com doze anos de idade, e por amar tanto todas essas histórias de Iguabinha, mora nessa casa onde vivemos todas essas experiências maravilhosas e inesquecíveis para todos os netos da Dona Maria e do Seu Henrique.


A vida pode ser simples. Toda essa simplicidade era deliciosa. Tudo era motivo para ser feliz. Essa felicidade não envolvia dinheiro, bens materiais, nem nada que pudesse ser comprado com moeda. Era apenas amor, família e simplicidade. Foi na viagem para Búzios, que contei no início dessa história que o Senhor me disse para escrever um capítulo sobre minha Iguabinha e Ele mesmo falou para que eu chamasse esse lugar de “Minha pequena Jerusalém”.


Aí, acredite quem quiser!



 
 
 

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